6 de dezembro de 2010

Armação dos Deuses

Havia uma moça , seu nome era Jadfs. Vivia em Neápolis, na Grécia.
Seus pais, mais velhos, viam-na como um tesouro que cintilava em suas vidas. E ,como toda pedra preciosa é possível de se partir com uma leve queda, eles deviam mantê-la presa. Isso, presa. Para que ninguém a cobiçasse nem a tocasse.
E, assim, fizeram.
Em um cômodo, no fundo do quintal , prenderam Jadfs com finas cordas . Não era preciso muitos equipamentos para segurá-la, era tão inocente que linhas de tecido prendiam seus dedos a fio.
Ela cresceu . As cordas curvavam-se conforme os contornos de seu corpo, mas ainda continuavam suficiente para mantê-la presa segundo a tranqüilidade de seus genitores. Segura de qualquer ser estranho que pudesse detê-la.
Tinham medo que se machucasse, que se iludisse, que amasse.
Esta menina, esta garota, esta moça,esta mulher –ora, podia ser denominada como tal, pois ela já não tinha a mesma inocência desde de que surgiu do ventre materno, a lei da natureza torna-nos adultos, mesmo quando crescemos contra o próprio destino- esta aí, não conhecia o mundo.
Seu mundo era o seu próprio pensamento,a sua própria imaginação. O único ser que conhecia era o celeste Sol, sua eterna admiração. Até da Lua a privavam, afinal, ao entardecer, era hora da criança dormir. Lobisomens perambulam pela noite.
Num dia, como outro qualquer, ou melhor, era para ser como outro qualquer. Seus pais saíram pela manhã, foram à missa como de costume do domingo e lá ficou Jadfs, como também de costume, acompanhada consigo mesmo naquela jaula . Naquela jaula daquela casa. Aquela Casa como tantas outras. Naquela Cidade, Neápolis, como tantas outras.
Porém, aquela Cidade não era de um país como tantos outros, pertencia ao país de raízes mitológicas. E o que ninguém desconfiava era que aquele ser preso pelas forças familiares, tinha um destino livre. Ao nascer, os deuses a consagraram e Afrodite, deusa da beleza e do amor, a reincorporou na noite de seu nascimento durante o encontro de Vênus com a Lua.
Mas quem é que se preocupa com seres astrológicos?
As pessoas vivem enquadradas em seus próprios preceitos e em suas próprias verdades, ditas verdadeiras.
Enfim, nesse dia, um caixeiro viajante metido a poeta passeava pela cidade , pedia comida, abrigo, mas continuava só, com sua própria sombra. Bateu palma na casa de Jadfs, ninguém atendeu e ,sem saber o porquê, insistiu nas palmas. Nada.
De repente , ouviu um som diferente que lhe despertou um sentimento desconhecido e, sem dar por si, atravessou o jardim, como um invasor inexperiente .
Apenas, guiado pelo som .
Encontrou o cômodo, o cômodo que estava Jadfs e seus olhos se cruzaram por uma fresta de madeira descascada. Vislumbrado ele ficou. Afinal, os olhos dela refletiam toda a transparência de um ser esquecido, de um ser cheio de vida, de amor, de esperança...de sonhos.
Quando percebeu, havia se passado horas e horas e seus olhos não se desencontravam. Foi o barulho do motor do carro vindo da igreja que os despertaram daquela súbita sensação. Ele se apressou e correu pela rua a desaparecer, porém, seu coração já estava preso, não pelas cordas de Jadfs, mas pelo encanto de seu olhar.
Uma paixão oculta, já iniciada.
Depois daquele dia, ela definitivamente deixara de ser aquela menina iludida, ela conhecera algo mais que o Sol. E ,assim, todos os domingos pela manhã, seus olhos passaram a ter um encontro sagrado , armado pelos Deuses.
Com o decorrer do tempo, seus pais até desconfiaram de algo, mas as emoções ,geralmente, passam despercebidos por aqueles que vivem com a objetividade do dia-a-dia, há coisas que estão distantas de qualquer aparência, qualquer superfície, é muito mais intrínseco.
Aqueles encontros pela fresta tornaram-se insuficiente, seu ego pedia mais emoções, pedia outro ar,o ar daquele que a esperava pelo lado exterior. A partir desse momento, aquelas finas cordas, tornaram-se finas demais e , durante uma noite -o horário proibido para qualquer criança- enquanto seus pais dormiam serenamente confiantes na presa, ela desamarrou com seus delicados dedos cada nó delineado em seu corpo.
Confesso que seus olhos estranharam aquela escuridão sombria da noite, mas havia o brilho das estrelas, ademais, o olhar conhecido a esperava.
Naquela noite, a Lua encontrou-se novamente com Vênus, e o amor e toda beleza de uma paixão despejados por Afrodite foram desfrutados. A lei da natureza foi obedecida, a lei dos deuses festejada.
Eras mulher, eras amante, eras amada.
Nenhuma corda, nenhuma prisão, nenhuma armadilha pode afrontar ao destino.
Nenhuma corda, nenhuma prisão, nenhuma armadilha, nenhum genitor pode afrontar ao amor.
Quando voltou ao alento pela manhã com toda a coragem para iniciar a sua vida, a sua vida, não a vida que haviam planejado. Seus pais a esperavam horrorizados, mas preparados, armados.
Agora as cordas eram muito mais grossas, havia armadilhas espalhadas canto a canto, qualquer fresta foi tapada. As flores que adornavam o cômodo foram substituídas por cadeados.
E o seu ego que ,antes, fazia-se de coragem, estava repleto de dor, decepção, mágoa.
Lágrimas atrapalhavam o encanto resplandecente de seu olhar.
E o que aconteceria agora?
Ela conseguiria desamarrar-se?
Ele a resgataria?
Seus pais se redimiriam?
Jadfs só queria uma resposta de seu destino.
Porém, uma certeza ela tinha, os deuses a ajudariam. Todo seu amor , sua beleza foi consagrada para aquele olhar, para aquele homem, para aquele viajante desconhecido.
Nenhuma corda, nenhuma prisão, nenhuma armadilha pode afrontar ao destino.
Nenhuma corda, nenhuma prisão, nenhuma armadilha, nenhum genitor pode afrontar ao amor.
(Mariana Lopes)

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