20 de janeiro de 2011

Do vinho para a água

De repente, vi o vinho transfigurar-se em água. Eu olho aquele copo e me recuso a bebê-lo. Sinto um gosto que não me agrada. Estampo anúncios, faço telefonemas, tudo em busca do vinho. Porém, rejeita qualquer contato. O vinho virou água e não percebeu. Voou para o longe e não sentiu ausência. O conhecido torna-se desconhecido. Mas, aí, eu tropeço. Caio de um andar além das nuvens. Tudo virou e revirou em mim. Do avesso tentei equilibrar-me sobre a linha tênue da vida. Maus sentimentos são sempre os primeiros a me invadirem. Fui afundando. Pedi socorro. Num momento súbito de certeza, estendi a mão para aquela que seria a mais conhecedora de mim, para o sinônimo de confiança. Foi quando me surpreendi: A parábola fez-se invertida. Minha mão foi untada junto aos meus pés e, como se não bastasse, pequenas pedras marcaram meu corpo. Não doeram, confirmo. O que me incomodou foi à desilusão de uma relação criada só por mim. Com o tempo, a gente passa a se acostumar com os distanciamentos. Familiarizar-se com as metamorfoses alheias. Somente um ponto de consideração restado por aquele vinho que se tornou um líquido inodoro e insípido; além de algumas lágrimas- pois, ora, qual a finalidade da água senão nos saciar e estancar gotas dos nossos olhos?
Num passe de felicidade, vejo que o telefone vive e que há lembretes, mas estes, agora, destinados a mim. Atendo-os como um sinal de existência. De uma forma amigável, uma voz ecoa preocupada: amor-próprio, querida! Tenha amor-próprio. Deixei o vinho e fui colher as minhas uvas, embriagada.
(Mariana Lopes)

2 comentários:

  1. Quando isto acontece, nos questionamos se a tal grarrafa de vinho realmente nos pertenciam. Ora, se de fato a tal garrafa nos pertencesse, não permitiríamos que ela fosse embora. O que fazer? Dar um tempo de vinho e voltar às aguas; para que mais a frente, se possa abrir outra garrafa para uma ocasião especial. Boa sorte, bjs,

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  2. Uma taça de vinho diária, faz bem. Duas, mau. Água em abundância: apenas bem, o melhor de tudo, a saúde da vida. Muitas vezes temos mesmo que nos relembrar da importância de ser simples (como água) e nos reencontrarmos em simplistas também - como nós. O vinho embriaga mesmo, e causa dependência. Para se levar como algo rotineiro, chega a ser até mesmo pesado; denso em demasia.
    Beijoca!

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